sábado, 9 de janeiro de 2016

Os donos do Poder

SOUZA, Laura de Mello e. Raymundo Faoro: Os donos do poder. In: MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil. Um Banquete no Trópico, 1. vol.1, 4. ed. São Paulo: Senac, 2004. pp.335-355.


De acordo com Faoro, para se compreender os fatores do poder é preciso partir das relações mercantis e da atribuição de controle do monarca sobre os senhores de terras. Para o autor, as bases do Estado capitalista se assentam sobre a gerência do rei sobre as terras do império. Apoiado na burguesia e com a nobreza, a “empresa estatal” ficou confinada às pessoas que cercavam interesses comuns.
Para Laura de Mello, a estrutura político-social resistiu a todas as transformações, desde D. João I a Getúlio Vargas, prevalecendo traços profundos do patrimonialismo estatal, voltado para a especulação, o lucro e a aventura.
O autor propõe que o estamento, estruturas de classes, é ponto central na compreensão do fenômeno histórico brasileiro, uma vez que o patrimonialismo estatal evoluiu conforme as transformações capitalistas, mas que nunca representou a nação como um todo. 
Na verdade, os grupos e as classes eram furtados da autonomia do senhor de terras. As formações sociais foram pontos de apoio às transformações, voltadas aos grupos que traziam maior montante de recursos ao poder. O que, nas palavras da autora, “a fisionomia era determinada pelo conteúdo do chefe de Estado”, na esperança de um “povo” que empreendia-o como assegurador dos interesses das massas. Nesse sentido, Faoro sugere que o Estado, por sua vez, se manteve, ao longo do tempo, enraizado na retórica do discurso elegante à nação.
Em suma, Faoro faz uma análise interessante. Mesmo com as transformações ocorridas, a tradição histórica aponta para o período atual algumas de suas marcas. De um lado o Estado ainda se apresenta patrimonial, já que defende interesses ligados ao dogma liberal dos empresários, mas que, por outro lado, a disciplina social e jurídica aos “pobres” é a eleição formalmente aceita com a ideia da adesão das massas ao sistema econômico. 
O que se percebe, em toda a parte do texto, é o apontamento de Faoro ao realçar que o Estado, mesmo intervindo em todas as atividades, guarda fortes interesses particulares, indissociável da figura do estamento, que em cada período histórico manteve-se na atenção em empreender determinadas “forças políticas”. Na conclusão feliz de Laura de Mello, “a máquina estatal permaneceu portuguesa, hipocritamente casta, duramente administrativa e aristocraticamente superior”, o que pouco muda a compreensão inicial da obra.

O Abolicionismo

NABUCO, J. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. pp. 01-138.

A obra foi escrita em 1883, estando inserida, portanto, em um contexto bastante complexo e conturbado que se consubstanciaria – alguns anos mais tarde – no fim do Império e da escravidão. Nessa época, as influências das ideias racistas e darwinistas eram fortes no pensamento brasileiro. No entanto, o autor tenta demonstrar que a escravidão representa um atraso econômico para o Brasil, além de outras conclusões valiosas, e vai tentar neutralizar as teorias vigentes na época com base na realidade ou seu campo de visão, mas em sintonia com os preceitos liberais vigentes na Europa, por exemplo.
De modo geral, a obra representa um dos marcos do pensamento social brasileiro, pois articula uma visão totalizadora da formação histórica brasileira a partir do regime servil. Nela, estão contidos elementos de fundamental importância para a compreensão do Império, sobretudo da segunda metade do século XIX, bem como apontamentos fundamentais referentes à constituição da população brasileira, a qual o autor distingue como descendente dos escravos.
Assumidamente, a obra é uma propaganda abolicionista, no livro há uma série de denúncias, sobretudo contra políticos e a Igreja católica, que ao contrário de outros países, acabou por legitimar e contribuir para a manutenção do cativeiro. O autor inova ao colocar a escravidão como o aspecto central a ser resolvido. Para tanto, evidencia ser essa uma nódoa que degrada toda a nação, na medida em que está entranhada em toda a sociedade brasileira, que foi essencialmente estruturada tendo como base a escravidão. Ele vai mais longe e aponta como algo terrível a herança deixada pelos portugueses, trazendo consigo o atraso para o país e a visão negativa frente o trabalho. A escravidão, a princípio apareceria como algo positivo, mas com o passar dos anos ela traria prejuízos para o país, levando à bancarrota milhares de fazendeiros, que seriam empurrados para o funcionalismo público.
Vale lembrar que em finais do século XIX, o Brasil era representado, sobretudo pelos viajantes, como um “espetáculo de raças”, ou seja, uma nação multiétnica, que se destacava pela sua coloração mulata. Muitos intelectuais tendiam a utilizar a mestiçagem para explicar o atraso do Brasil e a inviabilidade da nação.
A ideia de um país degenerado pela mistura de raças terá grande força e expansão no período em que foi escrita a obra, porém o autor não se mostra adepto dessa visão, embora às
vezes se simpatize com o racismo. No capítulo denominado “Influências sociais e políticas da escravidão”, o autor já adianta a questão da mestiçagem, como característica típica do Brasil, elemento este que mais tarde será evidenciado por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala.
A escravidão, ainda que fundada sobre a diferença das duas raças, nunca desenvolveu a prevenção da cor, e nisso foi infinitamente mais hábil. O contato entre aquelas, desde a colonização primitiva dos donatários até hoje, produziram uma população mestiça. Apesar de algumas controvérsias existentes acerca da obra, é inegável o fato dela ser referência no campo intelectual brasileiro, uma vez que o seu pensamento propunha, naquela época, uma nova visão de ver a escravidão.
Através da denúncia da escravidão como principal empecilho para o desenvolvimento, em termos econômicos e sociais principalmente, do Brasil e do apontamento das vantagens obtidas com o trabalho livre, o autor consegue evidenciar aspectos importantes da sociedade brasileira de então. Ele ultrapassa a questão do escravismo e levanta o tema da reforma agrária. O autor desenvolve a ideia de que a relação senhor/escravo era essencialmente violenta, oprimindo os cativos e colocando em perigo a sociedade inteira, pois inviabilizava o desenvolvimento da nação. É nesse sentido que ele inova e sistematiza uma série de elementos, tornando a obra um testemunho histórico importantíssimo para o estudo da sociedade brasileira de então, que tinha como pilar de sustentação principal a escravidão, ajudando a compreender as mazelas sociais, causadas pelo preconceito e pelo racismo, que até os dias atuais afligem a sociedade brasileira.

Instituições Políticas no Brasil

ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Oliveira Vianna: Instituições Políticas Brasileiras. In: MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil. Um Banquete no Trópico, 1.vol. 1, 4. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 293-313.

De acordo Maria Hermínia, Oliveira Viana apresenta em sua obra críticas contingentes aos desacertos da organização política do Brasil. Para ela, desde a constituição de 1824 os comportamentos efetivos se moldaram num tradicional viés de impor fundamentos legais, em consonância com a realidade brasileira.
Para Oliveira Viana, o Brasil tem uma formação histórica específica, em tudo diferente do berço da democracia liberal. A obra do autor chama a atenção justamente nesse aspecto, da distinção menosprezada pelos liberais nativos na formulação de leis, códigos e constituições. A distinção que o autor faz está na não adequação e eficácia das regras jurídicas, uma vez que são pouco atentas à experiência do “povo massa”. Trata-se do desencontro entre dois modos de ser: entre duas culturas políticas diferentes, uma elite metropolitana de idéias pautadas dos grandes centros estrangeiros e da enorme massa rural, imersa em tradições centenárias.
A partir disso, Oliveira Viana parte da noção de que a cultura é fator componente da civilização e da História dos povos. E que as reformas jurídicas e políticas devem partir do florescimento das considerações do “país real”, em sintonia com a experiência histórica e com os complexos culturais por ela gerados, e não da mera imposição elaborada pela elite.
Indo um pouco mais além, a colonização no Brasil produziu duas instituições fundamentais, avessas aos costumes e práticas democráticas: o “clã feudal” e o “parental”. Para ele, o clã feudal se caracteriza nos costumes da grande propriedade rural auto-suficiente, numa estrutura complexa e hierarquizada, onde o senhor do feudo controla sua família e o “povo-massa”, grupo variado e dependente do senhor de engenho, por exemplo (p. 300).
De modo geral, o que o autor quer demonstrar em sua obra é que não se pode fazer uma reforma política que se limite aos modelos estrangeiros. A verdadeira reforma política é lenta e de difícil mudança cultural. Ainda, para ele, a afirmação do Estado como autoridade deliberada nas transformações do país é o elemento central, mas que requer um projeto de nação a construir juntamente com o “país real”, e não na inautenticidade e na falta de nitidez política ou no Estado como ente a favorecer interesses particulares.